Introdução
“É preciso que a alma do futuro entenda a do passado”
(Getulio Vargas, no livro de André Carrazzoni, Getulio Vargas, 1939)
Falar de uma biblioteca particular é tarefa complexa, que deve ser feita com cuidado e sutileza. E, tratando-se da biblioteca de Getúlio Vargas, o trabalho torna-se ainda mais delicado, por tudo que ele representou, e ainda representa, na História do Brasil.
Vargas era ávido leitor – não apenas lia qualquer documento na íntegra antes de registrar a sua assinatura, como a leitura, no geral, era o relaxamento quase diário. Há inúmeras passagens em que ele se refere às leituras, visitas a bibliotecas e Exposições do Livro realizadas no Brasil, como as da Argentina, do Uruguai, e a do Livro Americano em seu Diário. Igualmente, gostava de assistir filmes norte-americanos e jogar golfe, mas eram os livros o seu passatempo preferido. Sua biblioteca particular contempla clássicos da Literatura, Biografias, Direito, História e outros assuntos. Ironicamente, não encontramos nenhuma fotografia de Getulio Vargas com um livro em mãos, até o momento.
Manusear livros de qualquer coleção que possua uma identidade possibilita diversas leituras que refletem preferências em diferentes etapas de vida de seu proprietário. As dedicatórias de livros oferecidos a uma personalidade da vida pública brasileira, como é o caso de Getulio Vargas, mais do que falar das escolhas literárias do homenageado – considerando que presentes podem ser oferecidos de acordo com o gosto do leitor – expõem relações pessoais, evidenciam situações, trazem luz a fatos e levantam questões. Dedicar um livro a alguém pode revelar a intenção de quem o faz. Baseado nisso, poderíamos perguntar: o que estaria por trás de cada dedicatória nos livros dados a Getulio Vargas? Amizade? Carinho? Admiração? Outros interesses? Difícil dizer, assim como não é fácil ressaltar essa ou aquela dedicatória. Deixaremos o leitor percorrer os caminhos e fazer sua própria avaliação.
A procedência de livros é assunto de interesse e de estudo crescente nas áreas que lidam com esse objeto bibliográfico. Livros associados a personalidades públicas são vistos como notáveis e desejáveis. Uma dedicatória confere valor a um impresso, em especial para colecionadores e livreiros, como se pode observar, mais recentemente, em seus catálogos, desde o início do século 19. O estudo da procedência de livros permite, da mesma forma, que acervos dispersos no passado possam ser identificados; permite comparar tipos e tamanhos de bibliotecas da mesma época, por exemplo. Outras marcas de propriedade de livros, como carimbos e ex libris, também falam dos caminhos que os livros percorreram até chegar a uma biblioteca – de onde, presumivelmente, não mais sairão.
A exposição que ora o leitor acessa tem por objetivo disponibilizar dedicatórias de alguns dos livros que compuseram a biblioteca particular do advogado, homem público e Presidente da República Getulio Vargas localizada no Museu da República (Rio de Janeiro). Representa uma seleção de curtos escritos de personalidades que conviveram ou conheceram o presidente, aqui dispostos por períodos de sua vida e, dentro destes, por ordem cronológica. O conjunto é parte do acervo da Seção de Obras Raras e Coleções Especiais (SORCE) da Biblioteca. A exposição contém alguns poucos itens considerados pertinentes não doados a Vargas, assim como livros apenas com a sua assinatura.
O leitor aqui encontrará imagens de cada dedicatória acompanhadas de sua transcrição, assim como informações diversas sobre os fatos históricos e/ou personagens com quem Vargas conviveu. Ilustramos a exposição com algumas peças pertinentes do acervo museológico, assim como do acervo do Arquivo Histórico da Instituição. Essas imagens podem ser visualizadas a partir dos links (em azul). Dessa forma, esses exemplares que se tornaram especiais, por suas dedicatórias, têm aqui oportunidade de aparecer, lado a lado, com objetos de museu e com documentos de arquivo. A tríade se constitui em patrimônio histórico nacional de importância, em peças que unem, num mesmo assunto, acervos da Biblioteconomia de Livros Raros, da Museologia e da Arquivologia.
A mostra não é exaustiva, pois há dedicatórias em livros da coleção do Museu não incluídas, como outros livros apenas com a assinatura do presidente (além dos presentes), em diferentes datas; e, mais abaixo passaram à coleção de Getulio, os sem dedicatória para o presidente; e aqueles com assinatura ilegível. Todas as imagens são dos acervos bibliográfico, arquivístico e museológico do Museu.
A exposição contempla diferentes períodos da vida do presidente até 1954 e foi criada como continuidade da exposição presencial no Palácio do Catete, aberta à visitação até agosto de 2015: Saio da Vida para entrar na Memória, sobre a crise de 1954, o legado de Vargas na política nacional, na música popular e nas manifestações artísticas.
Sessenta anos após o 24 de agosto de 1954, o Museu da República e o Brasil rememoram o tiro que ecoa até o presente, deixando interpretações diversas sobre a causa de um ato que mudaria o curso da história.
Valeria Gauz
Março de 2015