Um projeto
No início do segundo semestre de 1985 a Fundação Nacional Pró-Memória – FNPM – decidiu montar um projeto que contribuísse à expansão da participação popular na Assembleia Nacional Constituinte que viria a ser instalada brevemente. O projeto respondia à pergunta feita pelos pesquisadores da FNPM acerca da contribuição que o Ministério da Cultura – MinC – poderia dar ao momento político nacional que previa a instituição de uma Assembleia Nacional Constituinte. O Ministro Celso Furtado acompanhou e foi um entusiasta do projeto.
A Fundação Pró-Memória, um dos principais órgãos públicos encarregados de preservar a memória do Brasil, deveria participar, sim, do momento da criação da Assemblei Constitutinte, sobretudo através de algumas de suas funções tradicionais: captando, preparando e arquivando o material político expresso naquele processo. Com o apoio de seu presidente, Joaquim Falcão, foi decidido que seria feito um trabalho no intuito de esclarecer o cidadão comum sobre o processo que estava sendo deflagrado, passo a passo, de forma que ele pudesse entendê-lo em sua complexidade e acompanhá-lo à distância, desde a sua concepção e regulamentação, até a promulgação da nova Constituição que o processo iria a gerar, e com o intuito de arquivar e guardar os acontecimentos mais significativos do processo de elaboração constitucional.
Dessa forma, o Programa de Memória da Constituinte[1] teve, entre seus objetivos, o “desenvolvimento dos meios necessários para o resgate, recolhimento, registro e divulgação permanente dos materiais informativos produzidos no país sobre os debate e movimentos significativos acerca do processo de discussão da atual Constituinte passadas e futuras”. Ele foi implementado por meio do Centro Pró-Memória da Constituinte, inicialmente montado no Rio de Janeiro, e, a seguir, estendido a outras seis cidades.
Foi instalada na região central da cidade do Rio de Janeiro, em prédio histórico de 1908, tombado[2], na região no térreo do número 46 da Avenida Rio Branco, parte do prédio 44, a sede da Fundação. O espaço foi adaptado às finalidades do CPMC pelo arquiteto Jorge Eduardo Hue, muito querido, e já falecido, que era funcionário da FNPM.
A logomarca que adotamos foi desenhada pelo artista gráfico João de Souza Leite, desenhista da FNPM, que se inspirou nas folhas para impressão, em papel branco com finas listas azuis, com que preparávamos o trabalho desde julho de 1986, chamadas de formulário contínuo:
À época, não contávamos com Internet e computadores on line, e utilizávamos o sistema Cirandão Mensagem, da Embratel, cujo acesso era feito por meio de um modem e um terminal, equipamentos cedidos pela Cobra Computadores[3] (o XPC, o seu compatível PC-XT) e pela Prológica Indústria e Comércio de Microcomputadores Ltda (o Sistema-700 e CP-500), como periféricos e uma impressora. No entanto, a demanda dos usuários e da equipe do Centro Pró-Memória da Constituinte logo se tornou muito significativa, e o nosso Banco de Dados[4], que esteve disponível a qualquer cidadão em setenta municípios do país, chegou a ser o mais consultado do projeto Cirandão Mensagem. Segundo a Embratel, que administrava os esforços de implantação de comunicações via eletrônica, “aproveitando o momento histórico nacional, representado pela elaboração de uma nova Constituição, a Fundação Pró-Memória propôs um serviço que podia ser consultado gratuitamente a partir de vários pontos do país, informando o desenrolar dos trabalhos parlamentares e permitindo a manifestação das pessoas a respeito de pontos polêmicos. A ideia foi bem aceita e logo o serviço tornou-se o mais consultado”.
E a nossa comunicação com os cidadãos era feita através de contato diário em nossos espaços, mobilização em eventos, cartas, participação em programas de rádio e TV, visitas, shows, seminários e qualquer meio que nos permitisse divulgar e mostrar o que estávamos recolhendo e sua utilidade para os cidadãos, mídia, empresas e organizações da sociedade. Isso representou uma ponte entre entidades e indivíduos interessados e os parlamentares constituintes e os temas que estavam sendo decididos em Brasília. O contato com os parlamentares era feito por Telex ou por linha telefônica comum, em casos de urgência, ou seja, em um processo lento e dispendioso, anterior à telefonia celular no país.
Por meio de negociações, conseguimos que o PRODASEN, o Banco de Dados do Senado Federal, que coletava o cotidiano oficial da Assembleia Nacional Constituinte, pudesse ser consultado na sede do Centro Pró-Memória da Constituinte e nas demais unidades do programa.
Recolhendo os resultados de debates, apresentações e votações e as manifestações das entidades da sociedade, como sindicatos, associações e universidades, pudemos coletar um importante acervo com propostas, aconselhamento e críticas de cidadãos de incontáveis partes do Brasil, que demandavam esclarecimentos sobre o que se passava nas atividades de elaboração da nova Constituição. Sem conhecer não poderiam participar. Ao mesmo tempo, estávamos disponibilizando à comunidade científica e cultural um conjunto significativo e organizado de informações que puderam contribuir para o avanço da produção de conhecimento sobre a cultura política do país.
A seguir apresentamos exemplos do material que recolhemos. Nas próximas semanas continuaremos a apresentar aspectos do Programa Pró-Memória da Constituinte, lembrando que seu acervo pode ser consultado no Museu da República.
Texto: Elizabeth Sussekind – Professora de Direito da UNIRIO, Pesquisadora do Museu da República e ex-coordenadora do Centro Pró-Memória da Constituinte
[1]Portaria nº 170/1985, no acervo da Coleção Memória da Constituinte (MC008_CECEF 19-20).
[2] Essa parte do prédio havia sido construída por encomenda da Companhia Docas de Santos no início do Século XX. Ver descrição em http://oglobo.globo.com/rio/iphan-abre-ao-publico-as-portas-de-sua-sede-centenaria-no-centro-4280501 e http://www.turistaaprendiz.org.br/detalhe.php?idDado=99.
[3] À época contamos com a solidariedade do presidente da Cobra Computadores, Ivan da Costa Marques.
[4] Ainda segundo Tamara Benkouche, a expressão Banco de Dados, usada à época, corresponde ao que é o site dos dias de hoje.